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NOTÍCIAS | Imóvel herdado que está a ser usado? O que se pode fazer legalmente

𝗡𝗢𝗧𝗜́𝗖𝗜𝗔𝗦 | As heranças podem dar chatices e desgostos entre familiares. Para ajudar a evitar mais dores de cabeça, explicamos como proceder.



"O uso de bens de uma herança indivisa pode ser motivo de dores de cabeça e desgostos para os vários herdeiros, sendo algo difícil de gerir tanto a nível emocional, como financeiro e administrativo. Por exemplo, se houver um familiar a viver numa casa herdada, impedindo os demais herdeiros de utilizar esse mesmo imóvel, o que se poderá fazer? Para evitar mais chatices e garantir que tudo corre bem com a família na hora de tratar da herança, explicamos agora com fundamento legal como proceder.

"Juridicamente, a questão que acabamos de colocar supra configura uma situação de uso de bens de uma herança indivisa, em proveito próprio, por um dos herdeiros", começa por esclarecer a Teixeira Advogados & Associados*, neste artigo preparado para o idealista/news, dando nota de que, apesar de essa realidade, na vida corrente, ocorrer com alguma frequência, não se encontra especificamente prevista e regulada pelas regras do direito sucessório, configurando, portanto, uma lacuna.

Por este motivo, em tais situações, os especialistas indicam que se recorre habitualmente à norma do artigo 1406.º, n.º 1 do Código Civil, inserida no capítulo da compropriedade, que prescreve que “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.



Um herdeiro pode beneficiar do uso de um imóvel herdado?

Assim, pela leitura e interpretação desta norma, podemos concluir que, deixando, o de cujos, para além do mais, como herança, um prédio urbano, havendo acordo expresso entre todos os herdeiros, esse prédio pode ser utilizado para habitação apenas por um dos herdeiros, sem quaisquer restrições.


Por outro lado, caso não haja acordo expresso de todos os herdeiros, qualquer herdeiro poderá utilizá-lo desde que, cumulativamente:

  • não o empregue para um fim diferente daquele a que a se destina (por exemplo, se estivermos perante um prédio cuja finalidade seja habitação, não poderá utilizá-lo para comércio),
  • não prive os outros herdeiros do uso a que igualmente têm direito.
O busílis da questão estará, então, em perceber quando é que a utilização do imóvel, por um dos herdeiros, priva o outro herdeiro de a utilizar. 

A nossa Jurisprudência e a nossa Doutrina têm entendido que a utilização, por um dos herdeiros, só determina uma privação do uso pelos outros co-herdeiros, se ela contrariar a vontade manifestada de algum deles lhe dar outra utilização. Ou seja, tem sido entendido que, enquanto os herdeiros não manifestarem expressamente uma vontade de utilização do imóvel incompatível com o uso exclusivo feito pelo co-herdeiro em seu proveito, não é possível concluir que esse uso exclua o direito de uso dos demais herdeiros. 



Como agir se há oposição ao uso do imóvel por parte de apenas um herdeiro?

Mas, caso seja manifestada uma oposição a esse uso, a manutenção daquela ocupação pelo herdeiro, passa a ser ilícita, uma vez que priva o co-herdeiro que contesta a posse de um bem comum, devendo este, e apenas ele, ser indemnizado da privação sofrida.

Desta forma, caso ocorra uma ocupação por um herdeiro de um imóvel pertencente a uma herança e tal ocupação seja impeditiva da sua posse por outro herdeiro, nos termos que acima explicámos, entende-se que existe um prejuízo deste último, sendo que esse prejuízo corresponde à parte do valor locativo daquela unidade predial no mercado de arrendamento, durante todo o período em que se verificar tal ocupação.

Deve, então, ser esse o valor da indemnização a pagar pelo herdeiro ocupante ao herdeiro privado do uso, nos termos dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.



Exemplo da vida real após a realização de uma habilitação de herdeiros

Com o objetivo de ilustrar o exposto, apresentamos a seguinte hipótese prática:


  • A Felicidade, faleceu em 2018, e, o Gonçalo, seu marido e pai dos seus filhos, faleceu em maio do presente ano.
  • O Armando, Bernardo, Catarina, Daniel e Estefânia, irmãos entre si, são filhos da Felicidade e do Gonçalo, sendo, por isso, herdeiros destes.
  • A Felicidade e Gonçalo, deixaram como herança, para além do mais, uma moradia.

Neste momento, já foi realizada a habilitação de herdeiros, tendo, aliás, sido nomeado como cabeça-de-casal, o Armando, por ser o mais velho dos irmãos, mas ainda não se procedeu à partilha, pelo que a herança se encontra, ainda, indivisa.

O Armando, reuniu com Bernardo, Catarina e Daniel, e, após muito terem pensado sobre a utilidade a dar à moradia que herdaram dos seus pais, decidiram que o melhor destino a dar-lhe, neste momento, seria colocá-la a arrendar a um terceiro, fixando uma renda dentro dos valores-padrão de mercado, rentabilizando, assim, este bem comum, em proveito de todos os herdeiros, dividindo os frutos desse arrendamento por todos.

Acontece que a moradia dos seus pais tem vindo a ser habitada pela Estefânia e pelo seu agregado familiar desde junho de 2022, em seu exclusivo benefício.

Desta forma, a pretensão de utilização da referida moradia, pelo Armando, pelo Bernardo, pela Catarina e pelo Daniel, é incompatível com o uso exclusivo desse bem que tem vindo a ser feito pela Estefânia.



O que poderão o Armando, o Bernardo, a Catarina e o Daniel fazer para acautelar os seus interesses?

O uso pretendido pelo Armando, Bernardo, Catarina e Daniel (arrendamento da casa a terceiros), e o uso pretendido pela Estefânia (habitar com o seu agregado familiar na casa), são ambos excludentes um do outro – querendo isto dizer que o uso exclusivo deste bem pela Estefânia, em seu exclusivo proveito, priva os seus irmãos, igualmente herdeiros, do uso a que igualmente têm direito, nos termos do artigo 1406.º do Código Civil.

Nestes termos, o Armando, o Bernardo, a Catarina e o Daniel deverão manifestar expressamente a sua intenção de utilizar a casa para arrendamento a um terceiro, rentabilizando o bem em proveito de todos.


Para tal, a forma mais segura e eficaz, para que futuramente possa servir como meio de prova, será escrever uma carta registada com aviso de receção dirigida à Estefânia, na qual manifestem a sua vontade de arrendar a moradia a terceiros e dividir o valor das rendas por todos.


Os irmãos, apesar de terem uma vontade de utilização da moradia diferente da utilização que a Estefânia tem dela vindo a fazer, nada disseram à Estefânia. O que acontece?

  • Nesse caso, os irmãos não manifestaram expressamente a sua vontade, e, por isso, a posse exclusiva do imóvel, por parte da Estefânia é lícita, ao abrigo do artigo 1406.º do Código Civil, sendo que, futuramente, os irmãos não poderão vir reclamar qualquer prejuízo.

Os irmãos enviaram a carta, e a Estefânia, mesmo depois de receber a carta, manteve a sua estadia na moradia sem o consentimento dos irmãos. Como podem os irmãos reagir?

  • Se, após a Estefânia receber a carta, ainda assim, não deixar de habitar a moradia em seu exclusivo proveito, os restantes herdeiros podem propor uma ação judicial contra a irmã, na qual exijam à sua irmã Estefânia a devida compensação pela utilização desse bem comum em seu exclusivo proveito e benefício. Ou seja, os irmãos da Estefânia, podem exigir-lhe uma renda, ao abrigo dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, dado que a sua utilização da moradia passou a ser ilícita nos termos do artigo 1406.º do Código Civil.
E se, apenas o Bernardo, e apenas em seu nome, tiver enviado a carta?
  • Então, apenas o Bernardo terá direito à compensação."

*Mara Godinho, advogada, Teixeira Advogados & Associados

fonte: "Idealista.pt" - "2022/12/30"


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